O Assunto — Episódio: “A corrida pelas riquezas do fundo do mar”
Data: 8 de dezembro de 2025
Host: Vitor Boiagian
Convidados: Professor Luigi Giovanni (geofísico, Instituto Oceanográfico da USP); Letícia Carvalho (oceanógrafa, Secretária-Geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos - ISA); Natuzaneri (jornalista G1)
Visão Geral do Episódio
O episódio explora a crescente corrida global pela exploração de minerais estratégicos localizados no fundo do mar, especialmente em águas internacionais. Analisa o impacto ambiental, os desafios tecnológicos, os interesses geopolíticos e os obstáculos legais que permeiam a mineração em áreas profundas dos oceanos — uma fronteira pouco conhecida e essencial para a transição energética e a economia global.
Principais Tópicos e Insights
1. Profundezas Oceânicas: Cenário Misterioso e Valioso
- Tamanho e mistério: O oceano cobre a maior parte da superfície terrestre, mas só conhecemos aproximadamente 10% da sua biodiversidade.
- Riqueza em biodiversidade: Aproximadamente 2,2 milhões de espécies habitam os oceanos; cientistas descobrem cerca de 2.300 novas espécies por ano.
- Natuzaneri: “Temos hoje mais informações sobre a Lua, a 384 mil quilômetros de distância da Terra, do que sobre essas águas que estão aqui em nosso planeta.” [01:45]
2. Minerais Estratégicos e Transição Energética
- Nódulos de manganês e outros minérios: O fundo do oceano é rico em minerais essenciais como níquel, cobre, cobalto, ferro, manganês e terras raras – todos vitais para baterias, chips, veículos elétricos e energia renovável.
- Professor Giovanni: “Esses minerais ficam se acumulando com o tempo e essa concentração é extremamente alta. Não existe outro tipo de rocha no continente com uma concentração assim alta.” [05:18]
- Evolução geológica: Nódulos de manganês crescem cerca de 1 cm a cada milhão de anos, formando depósitos do tamanho de batatas.
- Argumento pró-mineração: Proponentes sugerem que extrair minerais do fundo do mar pode ser menos destrutivo do que desmatar florestas para mineração terrestre.
- Natuzaneri: “Extrair os nódulos de manganês seria mais sustentável do que a mineração tradicional, já que nenhuma floresta precisa ser desmatada...” [06:55]
3. Tecnologias de Extração: Limites e Complexidade
- Extração remota: Robôs e máquinas manipuladas da superfície são essenciais, pois a pressão e o frio extremo inviabilizam o acesso humano direto.
- Professor Giovanni: “É uma tecnologia muito parecida com aquela do petróleo… ainda não está sendo feita uma exploração com intenção econômica.” [07:20]
4. Geopolítica e Disputa Internacional
- Movimentações recentes: Em abril de 2025, o então presidente dos EUA, Donald Trump, assinou decreto para acelerar a mineração em águas internacionais, que compreendem dois terços dos oceanos.
- Natuzaneri: “Esse decreto orienta a Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos a acelerar a emissão de licenças...” [03:24]
- Estados não signatários: Os EUA não participam do acordo internacional que regula o fundo do mar, podendo operar de forma mais autônoma.
- Professor Giovanni: “Os Estados Unidos não são signatários desse grupo … eles podem fazer o que eles querem, porque não assinaram o acordo internacional.” [09:19]
- Noruega na vanguarda: É o primeiro país a criar legislação nacional detalhada para avaliação de impacto ambiental na mineração em alto-mar, além de montar esquemas de financiamento.
5. Desafios Legais e Regulatórios
- ISBA/ISA: Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos criada pela ONU regula a exploração em águas internacionais. Dois terços dos oceanos são considerados “patrimônio comum da humanidade.”
- Letícia Carvalho: “Pela lei internacional, o fundo do mar ... não pertence a ninguém, pertence a todos nós.” [19:10]
- Vacância regulatória: A ausência de um marco legal global robusto pode desencadear a chamada “corrida” por recursos, com risco de impactos ambientais irreversíveis.
- Professor Giovanni: “O problema é que se um começa, todo mundo vai ficar atrás. E os impactos ... podem ser extremamente desastrosos.” [13:39]
- Negociações em andamento: O Código de Mineração da ISA está em fase final de elaboração, com sessões decisivas previstas para 2026.
- Letícia Carvalho: “Estou muito confiante de que estamos no bom caminho para criarmos um sistema forte, baseado na ciência ... e, ao mesmo tempo, proteja o meio ambiente.” [21:15]
6. Impactos e Riscos Ambientais
- Efeitos locais: Mineração destrói a biota ativa nos primeiros centímetros do solo marinho, com possibilidade de extinção irreversível de espécies e ruptura das cadeias alimentares.
- Natuzaneri: “A zona biológica ativa ... seria totalmente destruída junto com a fauna … levaria centenas de milhares de anos [para recuperar].” [14:10]
- Consequências globais: Riscos de mudanças permanentes nos parâmetros físico-químicos dos oceanos (oxigênio, pH, temperatura), afetando todo o planeta.
- Professor Giovanni: “A gente pode ter como consequência mudanças para sempre das águas dos oceanos e com forma irreversível.” [15:14]
- “Eu não quero falar, mas de verdade, pode ser consequências dramáticas… os materiais demoram milhões de anos para voltarem. ... Isso vai afetar, poderia afetar com certeza também o clima.” [16:17]
7. Sustentabilidade, fiscalização e equidade
- ISA como guardiã: Determinação para só autorizar mineração com repartição justa de benefícios, transparência, sustentabilidade e forte base científica.
- Letícia Carvalho: “A ISA tem um mandato super claro ... garantir que os recursos do mar profundo sejam administrados de forma justa e responsável para todos...” [19:10]
- Mecanismos de fiscalização: Após aprovação do marco legal, contratos podem ser suspensos, e disputas podem acionar tribunais internacionais.
- Importância da pesquisa: Desenvolvimento tecnológico alinhado à regulação ambiental é central; visitas de Letícia Carvalho à Ásia mostram avanços em IA e soluções mais verdes.
- “A ISA trabalha decisivamente para o engajamento de mais partes interessadas e mais transparência na tomada de decisões.” [25:42]
Timestamps de Momentos-Chave
- [01:45] Importância do oceano menos conhecido do que a Lua (Natuzaneri)
- [05:18] Depósitos polimetálicos e importância para a economia (Prof. Giovanni)
- [06:55] Formação dos nódulos e argumento pró-mineração oceânica (Natuzaneri)
- [09:19] EUA fora do acordo internacional e implicações (Prof. Giovanni)
- [13:39] Consequências de uma corrida sem regulação (Prof. Giovanni)
- [15:14] Impactos desconhecidos e irreversíveis (Prof. Giovanni)
- [19:10] O fundo do mar como patrimônio comum e papel da ISA (Letícia Carvalho)
- [21:15] Estado das negociações do marco legal global (Letícia Carvalho)
- [25:42] Estratégias para fiscalização e desenvolvimento sustentável na mineração do mar profundo (Letícia Carvalho)
Notáveis Citações
-
“A complexidade de ir no fundo do mar é maior que ir em outro planeta. É mais barato, mais simples fazer um estudo na superfície da Lua ou de Marte que no fundo do mar.”
— Professor Giovanni [10:30] -
“Qualquer ação que não respeite essas jurisdições estará indo contra a lei internacional e contra o princípio de que o fundo do mar é o patrimônio comum da humanidade.”
— Letícia Carvalho [19:10] -
“A gente não sabe quais são os processos que acontecem no fundo do mar. ... Não sabemos como essas rochas vivas, essas crustas, esses nódulos, qual é a função deles para o equilíbrio … O perigo é que a gente retirando esse material, a gente vai afetar para sempre o oxigênio, o pH, a temperatura...”
— Professor Giovanni [15:14]
Tom e Linguagem dos Participantes
O episódio mescla um tom didático e científico, com ênfase em responsabilidade, senso de urgência regulatória, preocupação ambiental e otimismo sobre avanços tecnológicos e o papel potencial da cooperação internacional. As falas dos convidados são claras, acessíveis e balanceadas entre alerta e esperança de avanços regulatórios.
Conclusão
O episódio apresenta um panorama multidimensional da corrida por minerais do fundo oceânico: riqueza e mistério, avanços e riscos, promessas econômicas versus possíveis danos ambientais irreversíveis. A regulação internacional aparece como resposta urgente à pressão comercial e geopolítica, sendo fundamental alianhar avanços tecnológicos à proteção do patrimônio comum da humanidade.
