O Assunto: “A febre das canetas emagrecedoras manipuladas”
Data: 2 de dezembro de 2025
Host: Vitor Boiadjan (G1)
Convidados: Dr. Bruno Gelonesi (Endocrinologista, Unicamp), Henderson Furst (Diretor da Sociedade Brasileira de Bioética)
Tema: O fenômeno das canetas emagrecedoras manipuladas, riscos, regulamentação, contexto de patentes, ilegalidade e impactos para pacientes e o sistema de saúde.
Visão Geral
Neste episódio, o podcast “O Assunto” analisa a explosão do uso de “canetas emagrecedoras manipuladas” no Brasil, focando em riscos à saúde, questões regulatórias e a relação com o alto custo dos medicamentos originais. Esclarece a diferença entre o original, genérico e manipulado, destaca fraudes e ilegalidades no setor e projeta mudanças esperadas com o fim das patentes de remédios como Ozempic e Monjaro.
Principais Tópicos e Discussões
1. O Mercado Ilegal e a Manipulação das Canetas (00:09–02:54)
- Introdução ao caso: Investigação policial revelou um esquema ilegal de produção e venda de canetas de emagrecimento, com apreensão de materiais em larga escala e envolvimento de médicos influenciadores.
- Destaques:
- Produção clandestina com risco à saúde: falta de controle, rastreabilidade e higiene (00:44).
- O alto preço dos originais e a busca por alternativas manipuladas aumenta o consumo irregular (01:42).
- Depoimento real de paciente: “Eu fiz quatro aplicações da tirzepatida manipulada e eu não emagreci em nada, nenhum quilo... Eu comprei de uma clínica de estética avançada aqui na minha cidade, quando ainda não estava autorizado vender a monjaro no Brasil...” (02:05–02:54).
2. Canetas emagrecedoras: O que são e como funcionam? (03:43–04:27)
- Dr. Bruno Gelonesi:
- Esclarece que "canetas emagrecedoras" são medicamentos originalmente para diabetes, esteatose hepática e risco cardiovascular. Perda de peso é um efeito secundário.
- Critica o termo “caneta emagrecedora”, usado para mascarar a má prática e desinformação.
- Quote: “O termo caneta emagrecedora me parece um pano de fundo para tanta tentativa de fazer as coisas não muito bem feitas.” (03:43)
3. Diferenças entre Original, Genérico e Manipulado (04:27–07:34)
- Dr. Gelonesi: Explica que:
- Originais possuem rigor científico e testes laboratoriais.
- Manipulados podem não garantir mesma estrutura molecular ou eficácia, pois a matéria-prima pode ser duvidosa.
- No Brasil, ainda não existe genérico da tirzepatida, apenas o original e manipulados, que levantam dúvidas sobre pureza e segurança.
4. Impactos no Corpo e Evidências Científicas (05:03–05:53)
- Relato de paciente:
- Estudo mostra que tirzepatida reduz sinais cerebrais ligados à compulsão alimentar, mas efeito pode ser temporário (05:03).
- O cérebro pode se adaptar ao efeito do remédio, perdendo a eficácia ao longo do tempo.
5. Riscos Específicos dos Manipulados (07:34–09:22)
- Dr. Gelonesi:
- Manipulados podem ter problemas de eficácia, estrutura inadequada e até indução de anticorpos pelo corpo, prejudicando o tratamento.
- Manipulação aberta só deveria ocorrer para casos específicos, nunca para produção em larga escala.
6. Fiscalização, Proibições e Fragilidades (09:22–10:32)
- Ação da Anvisa:
- Proibição da manipulação de moléculas biológicas complexas como semaglutida, permitindo só produtos sintetizados com registro no Brasil (09:22).
- Manipulados que “não entregam o efeito ou entregam efeito colateral, esse barato sai muito caro” (10:32).
7. “Empilhamento” e Venda Casada em Clínicas (10:45–11:32)
- Dr. Gelonesi:
- “Empilhamento”: Venda de pacotes com vários medicamentos juntos, elevando custos e riscos ao paciente (10:45).
- Muitas clínicas adotam práticas mercantilistas sem devida preocupação com o bem-estar do paciente.
8. Limites Éticos da Manipulação (11:32–13:22)
- Manipulação é legítima em algumas áreas (ex. analgésicos), mas perigosa para biológicos complexos que exigem controle rigoroso.
- A manipulação deveria suprir necessidades específicas, não competir com a produção industrial.
9. Ilegalidade, Riscos à Saúde Pública e o caso Gabriel Almeida (13:22–16:43)
- Dr. Gelonesi:
- Comercialização ilegal expõe pacientes a produtos sem benefício e com riscos potencialmente letais.
- Clínicas clandestinas usavam matérias-primas de manipulação para emagrecedores e outros hormônios sem controle sanitário.
- Encenações de venda:
- Médicos e donos de laboratório promovendo os produtos e incentivando práticas ilegais para maximizar lucro (16:07–16:43).
- Quote de venda irregular: “Se você quiser competir com a farmácia, cobre R$ 70,00 a miligrama para o seu paciente. … Você vai faturar R$ 31.500.” – Gabriel Almeida, descrevendo abertamente lógica mercantilista (16:07).
10. Orientações para Pacientes (16:45–18:34)
- Dr. Gelonesi:
- Tratamentos de obesidade, diabetes, hipertensão precisam ser pautados por indicação médica séria.
- Evitar a “venda casada” de tratamento médico com acesso facilitado à manipulação; sempre optar por insumos das grandes indústrias farmacêuticas reconhecidas.
- Quote: “Primeira coisa é que se nós estivermos falando de obesidade, hipertensão, diabetes, sempre encarar isso como problemas de saúde que têm que ser tratados com seriedade.” (17:11)
11. Novas Regras de Fiscalização Anvisa (18:48–20:51)
- Henderson Furst:
- Anvisa agora exige rastreabilidade completa da origem da matéria-prima ativa, privilegiando apenas laboratórios detentores de patente. Isso restringe bastante a produção manipulada.
- Para versões sintéticas, só com registro no Brasil e testes laboratoriais robustos.
12. Patentes, Genéricos e Impacto no SUS (20:51–23:03)
- Henderson Furst:
- Fim da patente (previsto para Ozempic em março de 2026) abrirá o mercado a genéricos, barateando preços e permitindo produção pelo próprio SUS.
- O maior acesso é positivo, mas abre espaço para abusos, uso cosmético e aumento da falsificação.
13. Disputa Judicial e Cenário Internacional das Patentes (23:03–28:29)
- Explicação didática sobre patentes:
- O prazo brasileiro é de 20 anos, mas a indústria busca prorrogação argumentando demora na concessão das patentes.
- O caso Ozempic deve ser julgado pelo STJ, sem garantia de decisão próxima.
- Queda de patentes no exterior pode estimular importação paralela por brasileiros (28:12–28:29).
Notáveis Citações
- Dr. Bruno Gelonesi (03:43): “O termo caneta emagrecedora me parece um pano de fundo para tanta tentativa de fazer as coisas não muito bem feitas.”
- Paciente (02:05): “Fiz quatro aplicações da tirzepatida manipulada e eu não emagreci em nada, nenhum quilo...”
- Dr. Gelonesi (10:32): “Esse barato sai muito caro para a saúde coletiva, bem como pela saúde individual.”
- Henderson Furst (21:21): “Quando uma patente farmacêutica chega ao seu fim... viabiliza não só uma aquisição mais barata para o paciente e sistema de saúde, mas... que o próprio SUS possa produzir a sua caneta emagrecedora...”
Timestamps de Segmentos Relevantes
- Esquema policial e contexto do mercado ilegal: 00:09–02:54
- Natureza dos medicamentos e diferenças principais: 03:43–07:34
- Efeitos científicos da tirzepatida: 05:03–05:53
- Riscos das manipulações e estrutura química: 07:34–09:22
- Regulamentações Anvisa e proibições: 09:22–10:32
- Práticas de venda e empilhamento nas clínicas: 10:45–11:32
- Limites éticos da manipulação: 11:32–13:22
- Exemplo de ilegalidade (Gabriel Almeida): 13:55–16:43
- Recomendações a pacientes: 17:11–18:34
- Novas regras Anvisa e patentes: 18:48–23:03
- Contexto jurídico das patentes: 23:03–28:29
Conclusão
O episódio traz um alerta incisivo sobre o universo das canetas emagrecedoras manipuladas: enquanto oferecem promessa de acesso mais barato ao emagrecimento, podem representar sérios riscos — da ineficácia à exposição a graves problemas de saúde, passando por enganos e ilegalidades. Especialistas defendem que a manipulação só deve ser permitida em situações muito específicas e com rigor absoluto, lembrando que, conforme a queda de patentes se aproxima, o desafio será garantir oferta ética, segura e dentro da lei, tanto para indivíduos quanto para o sistema público de saúde.
