O Assunto – A situação jurídica de Bolsonaro
Data: 25 de novembro de 2025
Host: Ana Tuzaneri (Natuza Nery)
Convidado principal: Renato Stanziola Vieira (advogado criminalista, doutor em Direito Processual Penal pela USP)
Visão Geral
O episódio aborda em profundidade a situação jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro, que enfrenta prisão preventiva decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Natuza Nery recebe Renato Stanziola Vieira para explicar os fundamentos jurídicos da decisão, detalha as estratégias da defesa, discute as consequências práticas dos novos fatos recentes (como a suposta violação da tornozeleira eletrônica) e explora as perspectivas futuras para o caso, inclusive recursos processuais.
Pontos Principais do Episódio
1. Fundamentação da Prisão Preventiva (00:02–05:32)
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Decisão do STF:
A primeira turma do STF manteve por unanimidade a prisão preventiva de Bolsonaro por quatro votos (Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Carmen Lúcia).“Foi uma decisão unânime. Os quatro ministros da primeira turma do Supremo Tribunal Federal decidiram manter o ex-presidente Jair Bolsonaro preso preventivamente.”
— Ana Tuzaneri [00:02] -
Argumentos do relator Alexandre de Moraes:
- Convocação da vigília por Flávio Bolsonaro, vista como risco à ordem pública.
- Violação dolosa da tornozeleira eletrônica, interpretada como possibilidade real de fuga e descumprimento das medidas cautelares.
“Os argumentos do ministro Alexandre de Moraes levaram em conta a convocação da vigília do filho, Flávio Bolsonaro, e isso seria um indicativo de risco de perturbação da ordem pública. Levaram em conta também a constatação do dano à tornozeleira eletrônica, e isso seria um indicativo de risco de aplicação da lei penal.”
— Renato Stanziola Vieira [02:27] -
Postura reiterada de afronta à Justiça:
O ministro Flávio Dino destacou um histórico de tentativas de frustrar a atuação estatal e declarações públicas de não submissão à prisão por parte de Bolsonaro.“O próprio condenado, de maneira reiterada e pública, manifestou que jamais se submeteria à prisão, o que revela a postura de afronta deliberada à autoridade do Poder Judiciário.”
— Flávio Dino (relatado pelo Narrator/Reporter) [04:11]"Eu até já falo que eu vou ser preso, por Deus que está no céu, eu nunca serei preso."
— Jair Bolsonaro [04:33] -
Resumo dos fundamentos da decisão:
- Risco à ordem pública (vigília)
- Risco de fuga (violação da tornozeleira)
- Descumprimento de medidas cautelares anteriores
2. Os Argumentos da Defesa e a Reação do STF (05:32–07:30)
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Defesa de Bolsonaro:
- Alegou ausência de risco de fuga.
- Tentativa de romper a tornozeleira teria sido motivada por confusão mental, uso de medicamentos, paranoia (argumentos não aceitos no julgamento).
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Rejeição das alegações:
O STF não levou em consideração os novos argumentos humanitários ou de saúde mental neste momento, enfatizando a urgência e evidência empírica de descumprimento.“Os argumentos não foram levados em conta no momento... Não houve nenhuma menção a esses novos argumentos da defesa.”
— Renato Stanziola Vieira [05:55]
3. Histórico de Descumprimento e Imagem Diante do STF (08:11–10:45)
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Reiteração do padrão de afronta:
Ministros consideraram também os episódios anteriores de desrespeito a medidas cautelares e o contexto do círculo próximo a Bolsonaro, inclusive de aliados que fugiram do país após sentenças.“Foram levados em conta situações pretéritas do ex-presidente e também pessoas próximas, algumas já condenadas na mesma ação penal.”
— Renato Stanziola Vieira [09:43] -
Contexto da tornozeleira:
Bolsonaro usava tornozeleira desde 18 de julho, por ordem de Alexandre de Moraes, relacionada ao risco de evasão e influência sobre investigações.
4. Efeitos sobre o Pedido de Prisão Domiciliar (10:45–14:06)
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Regime domiciliar:
Pedido já feito anteriormente, mas o episódio da tornozeleira minou o argumento da defesa de que Bolsonaro poderia cumprir pena em casa.- O monitoramento eletrônico requer confiança, e a quebra da tornozeleira comprometeu essa relação.
- Quando o trânsito em julgado ocorrer, inicia-se nova fase processual, zerando as decisões cautelares, mas permitindo que argumentos humanitários sejam renovados.
“A execução penal é um novo processo. Zera tudo. Parte do zero. Inclusive, o aspecto probatório é bastante diferente [...]”
— Renato Stanziola Vieira [12:40]- Precedente do ex-presidente Collor: cumpriu pena superior a 8 anos em regime domiciliar devido à idade e saúde — um argumento que a defesa de Bolsonaro poderá revisitar.
5. Quem tem direito à Prisão Domiciliar? (17:26–18:47)
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Regras para concessão:
- Antes do trânsito em julgado: apenas maiores de 80 anos com saúde debilitada.
- Após: a Lei de Execução Penal exige 70 anos ou mais e saúde debilitada, especialmente no regime aberto.
- Bolsonaro, com pena alta, começaria obrigatoriamente em regime fechado, salvo decisões excepcionais.
“Em penas de reclusão acima de 8 anos, começa no regime fechado. É uma coisa que não vale só para Bolsonaro, vale para qualquer preso.”
— Legal Expert [18:47]
6. Recursos: Embargos de Declaração e Embargos Infringentes (19:03–24:43)
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Embargos de declaração:
Corrigem obscuridades, contradições ou omissões internas no acórdão, mas raramente mudam resultados.“O recurso de embargo de declaração trabalha com as hipóteses, grosso modo, de obscuridade, ambiguidade, contradição, omissão, mas de vícios internos ao acordo.”
— Renato Stanziola Vieira [19:33] -
Embargos infringentes:
Podem mudar o resultado do julgamento, mas o STF exige pelo menos dois votos divergentes nas turmas, não apenas um, dificultando o acesso a esse recurso. O voto divergente de Luiz Fux não foi considerado suficiente pois pedia anulação do processo, não absolvição — entendimento considerado excessivamente restritivo por Stanziola.“Esse pulo do gato dos embargos infringentes [...] reduz, por precedentes do Supremo, ao meu ver, equivocadamente, a abrangência desse recurso.”
— Renato Stanziola Vieira [22:28]
7. Caminhos Finais e Perspectivas Jurídicas (24:43–30:59)
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Revisão Criminal:
Só pode ser pedida após trânsito em julgado, e apenas se houver prova nova, falsidade, erro grosseiro, etc. STF costuma ser restritivo, mas o caso pode gerar discussões inéditas.“Erro judiciário significa algo clamorosamente contra o texto da lei ou contra a prova dos autos [...] O problema [...] é o julgamento em causa originária no Supremo, porque não tem apelação.”
— Renato Stanziola Vieira [26:30] -
Habeas corpus:
Sua aplicação é limitada por súmula do próprio STF, sendo pouco provável sua concessão na atual conjuntura.“O Supremo tem uma súmula que [...] impede o manejo e o conhecimento de habeas corpus apontando como coator [...] algum de seus membros.”
— Renato Stanziola Vieira [29:07] -
Previsão de próximos passos:
Trânsito em julgado depende do prazo dos recursos, principalmente embargos de declaração e possíveis embargos infringentes.“Enquanto os embargos de declaração têm prazo de 5 dias, o dos embargos infringentes é de 15. [...] Ele pode já, esgotado o prazo dos embargos de declaração, certificar o trânsito julgado e determinar o início do cumprimento da pena.”
— Renato Stanziola Vieira [30:13]
Timestamps de Segmentos Importantes
- [00:02] Decisão unânime do STF pela prisão preventiva
- [02:27] Fundamentos do voto do ministro Alexandre de Moraes
- [04:11] Histórico de Bolsonaro afrontando o Judiciário
- [05:05] Resumo dos três fundamentos da decisão
- [07:30] Discussão sobre argumentos humanitários e saúde na defesa
- [12:38] Diferença entre prisão cautelar e execução da pena
- [17:36] Critérios práticos para concessão de prisão domiciliar
- [19:33] Limites dos embargos de declaração e embargos infringentes
- [26:30] Explicação sobre revisão criminal
- [29:07] (Im)possibilidade de habeas corpus
- [30:13] Previsão do trânsito em julgado e próximos ritos processuais
Frases Memoráveis
- “O próprio condenado, de maneira reiterada e pública, manifestou que jamais se submeteria à prisão, o que revela a postura de afronta deliberada à autoridade do Poder Judiciário.”
— Flávio Dino (relatado pelo Narrator/Reporter) [04:11] - “A execução penal é um novo processo. Zera tudo. Parte do zero.”
— Renato Stanziola Vieira [12:40] - “Esse pulo do gato dos embargos infringentes [...] reduz, por precedentes do Supremo, ao meu ver, equivocadamente, a abrangência desse recurso.”
— Renato Stanziola Vieira [22:28] - “Erro judiciário significa algo clamorosamente contra o texto da lei ou contra a prova dos autos.”
— Renato Stanziola Vieira [26:30] - “O habeas corpus é o remédio por excelência da liberdade. [...] Eu imagino com muita dificuldade o manejo de um habeas corpus nessa situação.”
— Renato Stanziola Vieira [29:07]
Conclusão
O episódio oferece uma análise detalhada e clara sobre os rumos do caso Bolsonaro, com riqueza de detalhes técnicos e exemplos práticos. Destaca tanto o rigor do STF nesta situação, quanto os caminhos ainda possíveis para a defesa, evidenciando a complexidade e as nuances jurídicas que cercam um momento histórico da política e do Judiciário brasileiro.
