O Assunto – A Sonegação Bilionária da Refit
Data: 28 de novembro de 2025
Host: Vitor Boiadjan (G1)
Convidados: Bruno Tavares (jornalista da Globo em São Paulo), Malu Gaspar (comentarista da GloboNews, Rádio CBN, colunista do jornal O Globo)
Episódio em Resumo
O episódio mergulha no caso da Refit, um dos maiores esquemas de sonegação fiscal do Brasil, responsável por aproximadamente R$ 26 bilhões em impostos não pagos. Investigadores, jornalistas e analistas debatem como o esquema operava, o impacto para os estados, a resposta das autoridades, os mecanismos financeiros usados para ocultar recursos e o papel fundamental que um Projeto de Lei (o “Devedor Contumaz”) pode ter no combate a esse tipo de crime. As conversas expõem também a relação íntima entre corrupção, influência política e fragilidade das leis brasileiras.
Principais Pontos e Discussões
1. O Esquema de Sonegação da Refit
- A dimensão da fraude
- A operação “Poço de Lobato” revelou que a Refit lidera um esquema de sonegação fiscal bilionário, com operações principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro.
"A Refit é uma das maiores sonegadoras do país, sonegou em torno de 26 bilhões de reais. São 10 bilhões de reais só no Rio de Janeiro, 9,6 bilhões de reais em São Paulo."
— Investigative Reporter [00:28] - Impacto direto nos serviços públicos:
"É como se a gente tirasse da população, subtraísse da população um hospital de médio porte por mês. Como se a gente impedisse a construção de 20 escolas por mês."
— Bruno Tavares [00:44]
- A operação “Poço de Lobato” revelou que a Refit lidera um esquema de sonegação fiscal bilionário, com operações principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro.
- Estrutura do Grupo
- Liderado por Ricardo Magro (advogado, estabelecido nos EUA).
- Estruturado em diversos núcleos (operacional, logístico, jurídico e financeiro).
- Forte participação de fintechs e fundos exclusivos para lavar dinheiro e dificultar o rastreio da Receita Federal.
- Uso sistemático de “contas bolsão”:
"Essas contas Bolsão são contas que a Receita Federal não enxergava quem movimentava o dinheiro."
— Bruno Tavares [04:39]
2. Mecanismos da Fraude
- Como a sonegação ocorria
- Importação de combustível já refinado, mas declarado como derivado tributado com alíquota menor.
- Esquema com CNPJs de fachada: empresas eram abertas apenas para burlar impostos, depois fechadas para evitar a cobrança — prática típica do chamado “devedor contumaz”.
- Não pagamento do ICMS na cadeia produtiva e de distribuição.
- Uso de mecanismos no mercado financeiro para lavagem de dinheiro:
"Era geralmente, segundo a Receita Federal, um único cotista e esses cotistas, muitas vezes, empresas. (...) Isso era um artifício usado para esse grupo para se distanciar, para dificultar o rastreamento do dinheiro."
— Bruno Tavares [05:21]
- Paralelo com a Operação Carbono Oculto
- Semelhança nas brechas exploradas no sistema financeiro, inclusive com infiltração do crime organizado no setor.
- Os grupos eventualmente eram rivais, mas usavam das mesmas engrenagens e artifícios.
— [06:27–07:33]
3. A Estrutura do “Devedor Contumaz”
- Características do Devedor Contumaz
- Empresas que fazem da inadimplência e da sonegação a base do seu modelo de negócios:
"[O devedor contumaz] transforma a sonegação em negócio. O negócio da empresa, mais do que venda de gasolina ou outro produto, é sonegar."
— Malu Gaspar [16:18] - Criação e fechamento recorrente de CNPJs, contestação judicial sistemática das dívidas, operações financeiras complexas para ocultar ativos.
- Empresas que fazem da inadimplência e da sonegação a base do seu modelo de negócios:
4. Efeitos e Reação das Autoridades
- A Operação Poço de Lobato
- Mais de 600 agentes envolvidos, 190 alvos entre empresas e pessoas físicas.
- Foco inicial em busca e apreensão para robustecer provas. Não houve prisões imediatas para garantir a coleta de documentos e rastreamento de fundos.
- Já foram localizados dezenas de fundos exclusivos usados na lavagem:
"...identificaram pelo menos 50 [fundos] usados pela organização."
— Bruno Tavares [12:41]
- Recuperação dos valores sonegados
- Existem instrumentos legais para bloqueio de bens e valores, mas há cobrança por legislações mais eficazes e específicas.
- O Projeto de Lei do Devedor Contumaz, após anos parado, só avançou após operações de grande repercussão.
"O mais importante, segundo os investigadores, é que esse projeto seja votado o quanto antes para que eles tenham instrumentos legais e respaldo para realizar essas operações."
— Bruno Tavares [15:14]
5. Influência Política e Fragilidade da Fiscalização
- Conexões de Ricardo Magro e influência política
- Forte presença de relações com políticos influentes (Eduardo Cunha, Ciro Nogueira, diretores da ANP, deputados federais e estaduais).
"Só dá pra entender isso se você entender que esse grupo Refit, ele é um dos grupos mais poderosos do Estado... Ricardo Magro foi advogado do Eduardo Cunha e tem fortes conexões com muita gente..."
— Malu Gaspar [20:21] - Intervenção direta na liberação e funcionamento da Refit, mesmo diante de flagrantes e dívida bilionária ativa.
- Relações de conivência e promiscuidade entre Estado e empresa facilitam persistência do modelo criminoso.
- Forte presença de relações com políticos influentes (Eduardo Cunha, Ciro Nogueira, diretores da ANP, deputados federais e estaduais).
- Burocracia e lentidão legislativa
- O Projeto do Devedor Contumaz ficou travado no Congresso por anos, mesmo sendo crucial para o combate ao crime organizado na área tributária.
"Certamente, não posso ver outra razão que não essa. ...Só tem razão se você está tentando proteger alguém."
— Malu Gaspar [25:50]
- O Projeto do Devedor Contumaz ficou travado no Congresso por anos, mesmo sendo crucial para o combate ao crime organizado na área tributária.
6. Memória, Fiscalização e Justiça
- Inércia e fragilidade dos organismos de fiscalização
- Irregularidades da Refit já eram visíveis há anos, mas decisões políticas e influência evitaram sanções efetivas.
"Já era uma suspeita o fato de a Refit sempre ter vendido combustível muito mais barato do que o resto do mercado (...). Esse relatório foi cancelado por um diretor, meio que na canetada mesmo, por decisão própria."
— Malu Gaspar [19:54–20:21]
- Irregularidades da Refit já eram visíveis há anos, mas decisões políticas e influência evitaram sanções efetivas.
- Justificativa e posicionamento da empresa
- Em nota, a Refit afirma que questiona judicialmente os débitos e nega qualquer intenção de ocultar receitas ou fraudar impostos.
— Bruno Tavares [22:37]
- Em nota, a Refit afirma que questiona judicialmente os débitos e nega qualquer intenção de ocultar receitas ou fraudar impostos.
Timestamps de Segmentos Importantes
- 00:28 – Dimensão nacional da sonegação e impacto nos estados.
- 04:30–07:33 – Funcionamento do núcleo financeiro do esquema e similaridades com outros grupos mafiosos do setor.
- 09:00–11:03 – Caminhos de lavagem internacional, uso de laranjas e evasão para os EUA.
- 16:10–18:24 – Explicação do conceito de “devedor contumaz” e uso sistemático de sonegação fiscal como negócio.
- 18:45–21:48 – Falhas e conivência na fiscalização estatal, influência política para manter operações.
- 23:35–25:50 – Relações de Magro com políticos, influência no Congresso e obstrução legislativa.
Notáveis Quotes e Momentos
-
"A sonegação estava no espírito do negócio deles."
— Bruno Tavares [07:53] -
"Esse é um devedor contumaz, é aquela empresa cuja operação já é montada para não pagar impostos e cujos lucros vêm da sonegação. Isso é o caso da Refit por excelência."
— Malu Gaspar [16:18] -
“Não tem outro nome a não ser influência, força política, realmente uma conivência e uma promiscuidade entre o Estado e essa empresa, que é uma sonegadora, quanto mais, como a gente já falou.”
— Malu Gaspar [22:52] -
"Certamente, não posso ver outra razão [para a demora do Congresso] que não essa [proteção de interesses conectados à Refit]."
— Malu Gaspar [25:50]
Conclusão
O episódio revela a complexidade e profundidade da sonegação fiscal no Brasil, especialmente em setores estratégicos como o de combustíveis, mostrando que a impunidade desses grandes devedores é sustentada não apenas por falhas legais, mas por uma rede de conivência política e fragilidade institucional. O caso Refit serve como exemplo para o urgente avanço de legislações específicas e maior rigor na responsabilização de empresas que transformam a sonegação em modelo de negócio.
