O Assunto – "Feminicídio: a barbárie que se repete"
Data: 15 de dezembro de 2025
Host: Natuza Nery
Convidadas: Amanda Sadala (Diretora da Serenas), Regina Celi Almeida (Instituto Maria da Penha)
Visão Geral do Episódio
Neste episódio especial de "O Assunto," Natuza Nery aprofunda o debate sobre o feminicídio no Brasil, tema que permanece urgente e devastador. A partir de casos recentes e chocantes, o episódio aborda as raízes e consequências desse tipo de violência, as insuficiências das políticas públicas, e as dificuldades cotidianas no enfrentamento dessa barbárie. O programa ouve vozes de especialistas, como Amanda Sadala e Regina Celi Almeida, que analisam tanto o cenário atual quanto as possíveis respostas para quebrar esse ciclo.
Principais Pontos e Discussões
Relatos de Casos Recentes de Feminicídio
- Casos de extrema violência: Logo no início, Natuza apresenta sucessivas histórias recentes e brutais, exemplificando como o feminicídio ocorre em diferentes contextos sociais e familiares. Entre eles:
- Tainara Souza Santos (atropelada e arrastada em SP)
- Daniela Guedes Antunes (assassinada a facadas na frente da filha)
- Duas funcionárias do Cefete-RJ (baleadas por um professor)
- Catarina Kasten (violentada e morta em Florianópolis)
- Maria Catiane Gomes da Silva (agredida e morta após cair do 10º andar)
- A perspectiva dos familiares e a crueldade dos atos: Fala-se do sofrimento de mães e filhos e dos impactos psicológicos, ressaltando a natureza devastadora e persistente da barbárie (00:10–04:34).
“Tainara é uma menina divertida. Gosta de deixar todo mundo feliz, né? É minha filha. É o bebezinho. Trabalhadora, tem seus filhos. Tava lembrando, né? Eu lembrando dela, eu ensinando ela a andar.”
— Mãe de Tainara Souza Santos (00:59)
Dados Alarmantes Sobre o Feminicídio
- Dimensão da tragédia: Nos primeiros 6 meses do ano, 718 feminicídios registrados no Brasil – uma média de 4 mulheres mortas por dia (04:34).
- Sofrimento das famílias: 71% das violências são presenciadas por alguém, sendo em 70% por crianças; consequência direta no ciclo de violência (05:10).
“Ser órfão do feminicídio é um impacto muito maior do que ser órfão por qualquer tipo de abandono.”
— Regina Celi Almeida (05:10)
Mudanças Legislativas Recentes
- Torno das leis: Desde 2024, a pena para feminicídio aumentou para até 40 anos de prisão.
- Limites da legislação: Apesar dos avanços, os crimes não param de crescer e são praticados com requintes de crueldade.
“A gente está vivendo uma escalada nos casos de violência contra a mulher... Não basta matar a mulher. É preciso humilhar.”
— Juliana Brandão, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (05:48)
Prevenção e Qualificação dos Serviços – Amanda Sadala
[07:22–15:37]
-
Dois grandes desafios identificados:
- Prevenção: Padrões machistas persistem entre as novas gerações; grupos masculinistas na internet intensificam o ódio e resistência ao avanço feminino.
- Qualificação dos profissionais: Aplicadores da lei, muitas vezes, não estão preparados nem sensibilizados, carregando preconceitos (racismo, machismo, transfobia) para o atendimento às vítimas.
-
Ações Práticas da Serenas:
- Apoio às secretarias de educação para formação de professores e atualização do currículo sobre gênero, consentimento e masculinidades positivas.
- Capacitação de policiais, agentes de saúde e lideranças comunitárias para atendimento humanizado e sem julgamentos.
“Os meninos, eles estão vendo um certo tipo de relacionamento em casa e reproduzindo... Eu não sei namorar de outra forma.”
— Amanda Sadala (09:59)
- Desconfiança dos Serviços Públicos:
- Mais de 60% das vítimas não buscam ajuda por falta de confiança no atendimento.
- O ciclo de violência é intergeracional e exige empatia dos profissionais.
“Quantas mulheres eu já vi em delegacias em que os maridos, quando estão sendo presos, viram para essa mulher e falam que vão sair de lá e vão matar essa mulher.”
— Amanda Sadala (13:55)
Experiências Internacionais e Referências
[15:37–18:01]
- Política do Reino Unido: Educação sexual integral no currículo escolar, focando em consentimento e relações saudáveis, é apresentada como referência para o Brasil.
- Leis nacionais: Ainda que existam leis para prevenção, implementação é fraca; avanços recentes incluem o reconhecimento do feminicídio (2015) e o crime de importunação sexual (2018).
“A escola tem que vir como uma reação a isso, como uma outra forma de se relacionar.”
— Amanda Sadala (12:10)
Falhas e Desafios das Políticas Públicas – Regina Celi Almeida
[18:23–27:52]
- Impacto emocional do trabalho com violência: Ativistas não podem se deixar anestesiar pela barbárie, sob risco de perder a capacidade de acolhimento.
- Centros de Referência: São essenciais para acolhimento multidisciplinar das vítimas, mas são insuficientes e concentrados em grandes cidades.
- Estrutura insuficiente: O número de centros não corresponde à dimensão territorial e populacional do Brasil.
- Subexecução orçamentária: Dos R$ 2,5 bilhões prometidos pelo governo, apenas metade foi reservada e só 15% executados.
“Onde é que está o gargalo aí? A raiz é o reconhecimento de que existe o machismo estrutural e esse machismo, ele negligencia institucionalmente a questão da violência contra a mulher.”
— Regina Celi Almeida (25:24)
Desafio Cultural Estrutural e Educação
[27:52–31:49]
- Machismo estrutural: A violência é perpetuada por uma cultura que coloca a mulher em posição subalterna; mudar isso envolve educação desde cedo.
- Falta de plano contínuo nas escolas: Não existem planos pedagógicos nacionais para tratar o tema de forma regular e efetiva no cotidiano escolar.
- Importância da escola como local transformador: Escolas podem ser espaços para romper o ciclo, mas carecem de políticas consolidadas.
“Não tem. Não está pacificado isso nas escolas.”
— Regina Celi Almeida (29:55)
- Impacto nas crianças: 71% dos casos de agressão têm testemunhas, frequentemente crianças.
Notas Finais
- Necessidade de coordenação nacional para políticas de prevenção, atendimento e educação.
- Reconhecimento do problema como sistêmico e estrutural.
- Apelo à busca de soluções integradas e urgentes no combate ao feminicídio.
Timestamps – Momentos-Chave
- 00:10–04:34 – Narrativas dos casos de feminicídio
- 05:10–05:48 – Impacto nas famílias e dados nacionais
- 07:22–15:37 – Amanda Sadala explica frentes de atuação e desafios na prevenção e qualificação
- 15:37–18:01 – Exemplos internacionais e papel da educação, segundo Amanda
- 18:23–22:31 – Regina discorre sobre equipamentos de apoio às vítimas
- 24:34–26:00 – Falhas em execução orçamentária e impacto dos setores públicos
- 27:52–31:49 – Cultura do machismo estrutural e papel da educação, com Regina
Citações Notáveis
“Ser órfão do feminicídio é um impacto muito maior do que ser órfão por qualquer tipo de abandono.”
— Regina Celi Almeida (05:10)
“Eu não sei namorar de outra forma.”
— Amanda Sadala (09:59)
“A escola tem que vir como uma reação a isso, como uma outra forma de se relacionar.”
— Amanda Sadala (12:10)
“Onde é que está o gargalo aí? ... É o machismo estrutural e esse machismo, ele negligencia institucionalmente a questão da violência contra a mulher.”
— Regina Celi Almeida (25:24)
“Não tem. Não está pacificado isso nas escolas.”
— Regina Celi Almeida (29:55)
Conclusão
O episódio oferece uma análise contundente, sensível e didática sobre o feminicídio no Brasil, mostrando o quanto o problema é complexo e está arraigado na cultura, nas instituições e no cotidiano das famílias. Especialistas defendem a necessidade de ações conjuntas entre prevenção, capacitação, políticas públicas de largo alcance e, fundamentalmente, mudança cultural ancorada na educação. “O Assunto” termina com um chamado à sociedade e ao poder público para não normalizar a barbárie e agir, sem descanso, contra ela.
